29 de dez. de 2009

CLARO BREU



-----------------------------Claro Breu de Eduardo Perrone --------------------------



A cegueira cortou-me a língua
E vivi a mingua
Desde então.
Fui submetido a um ritual pagão,
E estive na tua mão
Como moeda de troca.
Foi uma época de troça,
Algo como uma luz esvaindo-se,
Como o que reluz
Já despedindo-se,
Indo para o leito da terra.


Sou o que esconde
E que te revela,
Quer na amplitude do beijo,
Quer no obscuro da alma,
Sou aquele que te pedia calma
Enquanto o seu lobo não vinha,
Fui tua porção vizinha
E cada erro cometido,
Fui teu pai, irmão e marido
Mesmo sem nunca ter sido.
Fui o cão danado,
Que, mesmo desdentado,
Mordeu preces
Preces, preces
E mais preces...
Como quem escolheu o que esquece
Quando -súbito-
A luz é apagada.

9 de dez. de 2009

Hoje é um dia daqueles!



.

Hoje é um dia daqueles!

feito de minutos áridos
de sorrisos pálidos
e encantos nacarados

Hoje é um dia daqueles!

feito de nuvens de chumbo
de horas e horas perdidas
em mordidas estéreis


Hoje é um dia daqueles!

desfeito em lástimas
de presas estetizadas
e unhas aguçadas

Hoje é um dia daqueles!

feito de pilulas chanfradas
de carne dilacerada
em chibatadas sentidas e vãs

Hoje é um dia daqueles!

feito de vozes
que mesmo caladas
pedem mais


(rosa cardoso)


Imagem :Embrace_the_Silence_by_melenya
Embrace_the_Silence_by_melenya

6 de dez. de 2009

soçobrados


.

o perfume dos beijos, o gosto da pele
desconcertam e desarmam a sinfonia dos medos
que fingimos não ver

phobos e deimos gritam sua canção desafinada
chamam por nós

não respondemos
estremecemos, distraídos por sua mãe
pele, beijos, língua
vamos caindo desconcertados,
desarmados e distraídos

mergulhados nas frases interditas
sufocados nas palavras, nos versos
nessa enxurrada de reticências
nesse mar de vírgulas bentas
sorvemos inundações a plenos pulmões

nossos nomes soçobrados
são reza perene
rodopiando na língua
entranhados em orações ineficazes



(Rosa Cardoso)

4 de nov. de 2009

CELESTIAL





o anjo desliza entre arpejos
azuleja meu cinza
não discuto nem arquejo
ouço meio enleado o beijo
.

espio pelas tiras da tua fala enluarada
que despenca em poesia
cansado deslindo selvas de versos
me aninho nas entrelinhas
.

dissimulado assalto teus olhos
em meio às violentas palavras que desfiam
árduas epopeias
dessa lira extasiada
que servem apenas para descortinar
meus nadas e para sedento
ter teu seio na mão
minha pele grudada na tua

a língua afinando os sonidos
dessas vozes em sustenido
que anseiam pelo atemporal


(rosa cardoso)
imagem : land os shadows III hazel soan

15 de out. de 2009

VÉSPER



“Vi uma estrela tão alta,Vi uma estrela tão fria!Vi uma estrela luzindoNa minha vida vazia.Era uma estrela tão alta!Era uma estrela tão fria!Era uma estrela sozinhaLuzindo no fim do dia. “

não há nada sob esse céu
nenhuma estrela presente
nada me pressente
só Vésper alheia me paquera

há um teto sob meus olhos
é azul cáustico
escuro e brilhante
estranho

ah, gostaria de vê-la
velar essa luz que insinua
o brilho de estrela nua
já quase ido
esse quase nada de luz
o lusco-fusco a traduz

só tua sombra desliza
em queda livre e fria
se desvia da noite
e busca o sol
que se quebra em cacos,
como devia

e em tantos estilhaços
onde, enfim
você se vê
mesclada à teias de lembranças
em que desfia
o fio dessa trama infinda.

efêmera e brilhante
toda beleza é o instante
todo azul a anula.

11 de out. de 2009

gateado



trago comigo teu olhar
rasguei-o naquela noite
quando te vi trançado
nas filigranas de luar
onde tuas garras deslindavam
segredos inexistentes


desde ontem eu guardo tudo e
traço nas tuas costas as linhas
dessas mentiras densas
em que pensas que acredito






(rosa cardoso)
*imagem: Another_Dreamer_by_Lemmy_X

25 de set. de 2009

TARJA PRETA



Tua voz tange minha retina
indeferidos brados
ribombam no céu da boca


Sismo
catarses violetas
entredentes dissipo o eco
em beijos acres


A cidade alucina
Entre o crepúsculo brocado
E a sombra seda fosca


Cismo
tinjo as tarjas pretas
verde, champanhe, prosecco
delírio tinto em cristal ocre


O raso é sem fundo
quando desfraldas tuas velas
entre o inefável e o hostil

pela janela vejo o mundo
que desbota e amarela
sob teu olhar incivil.

(Iriene Borges e Rosa Cardoso)



imagem : http://kuschelirmel.deviantart.com/art/Escaping-the-City-57510475

( Acho que me apaixonei pelas imagens criadas e postadas por essa garota.)

1 de set. de 2009

Compartimento estanque



Esses sinais...
Essa conexão!

– Preciso te deixar de fora.

vedar,
deter,
impedir a corrente
em que me afogo

estagnar
esgotar

– Criei um compartimento
Onde te guardo

É só teu
Nele eu posso
deixar correr essa ânsia
até essa febre esgotar-se;
exaurir-se.


.


(rosa cardoso)

28 de ago. de 2009

2ª EXPOSIÇÃO LITERÁRIA "MULHERES NUAS"


2ª EXPOSIÇÃO LITERÁRIA "MULHERES NUAS"


De 1 a 4 de setembro de 2009, no hall da Biblioteca de Universidade Federal UFMA em Imperatriz do Maranhão, das 09 às 18 horas.

Venham prestigiar mais esse acontecimento literário! É DE GRAÇA!!!
Contamos com sua presença!

SARAU VIRTUAL PALAVRA


SARAU VIRTUAL PALAVRA




Poetas que buscam uma nova poesia, artistas que pensam uma arte inserida na Cibercultura. Este é o perfil dos participantes do Sarau Virtual Palavra, um evento virtual que promove a interação dos saraus por meio de hiperlinks. Vários artistas fizeram links entre seus trabalhos pela proximidade de sentidos. O resultado dessa proposta hipertextual soma-se ao Álbum Palavra, hipertexto poético e musical proposto pelo músico e poeta Eros Trovador.



O Álbum como um todo busca o sentido da palavra em uma época multimídia. A poesia virtual é vista como poesia hipertextual, dando pistas para um discurso não-linear próprio de uma cultura também multimídia, onde a informação pode ser acessada e construída a qualquer momento.



O Sarau Virtual Palavra é uma proposta minimalista, que pretende ser um respiro poético no turbilhão midiático da internet. Conheça e participe em: www.albumpalavra.com.br.

3 de ago. de 2009

caminhar deserto




teu olhar
esse doido
amotinado
rebentou vidraças
estilhaçou anteparos

perverteu rumos
de um caos perfumado
que não será futuro.

onde me cabe a tua compaixão
- esse toque de leveza -
de tudo sobrou
só a correnteza

esses cacos
esse cheiro de sândalo
esse teu olhar acorrentado
aos pés de algum vale sagrado.

teu olhar
esse doido
amotinado

destruiu minhas tâmaras
- as certezas do meu caminhar deserto-
e meu cântaro.

9 de jul. de 2009

A Noite dos Peregrinos



Ando sem tempo e sem vontade de escrever até mesmo bilhetes esparsos, quanto mais poemas razão pela qual o blog anda meio empoeirado, mas passando aqui hoje resolvi recomendar que entre um ato secreto e outro, entre um clipe do Michael e outro, entre uma confusão e outra ando lendo e gostando bastante do livro do amigo Henrique Bon.

12 de jun. de 2009

OBRIGADO poema de Eduardo Perrone




-


Obrigado pela
Desobrigação obrigatória.
Pela morte de retórica
Que me fez prisioneiro
Desde aquele início.

Obrigado pelo vício
-bom-
De poder me desnudar além da roupa,
De poder colher –quem sabe- coisa pouca,
Do pouco que me resto
Cartesiano.

Obrigado por mais um ano,
Por mais um dia ( E Moacyr Franco, rindo, judia),
Que cheira a plágio escancarado
E é mesmo...!

Obrigado por abraçares
Os tiros que desfiro a esmo,
E que assim mesmo
Não te matam...

Obrigado, obrigado, obrigado...


Mas...
Nada me é ou foi
O.B.R.I.G.A.D.O

Tudo isso me parece
Parte do legado,
Parte de uma imensa herança.
Talvez, bonança errônea
De um tempo catatônico,
Endêmico de uma poesia rasa,
De algo que te arrasa,
E que me leva ao lodo igualmente...


Obrigado por você ser gente.
Só isso já me basta.
Obrigado, obrigado... Sinto-me abrigado.
Pela etimologia do léxico em si,
E pela força
Que um agradecimento
Passa a ter
Quando vem
De ti.



Eduardo Perrone

27 de mai. de 2009

Palavras não ditas.




Foi no exato momento em que desceu do velho ônibus barulhento que as luzes apagaram-se na cidade. Sabia que deveria apressar o passo e sair da rua, antes que fosse assaltada de novo,mas a noite estava tão bonita e as estrelas surpreendidas pela liberdade que o súbito apagão lhes dera,brilhavam mais intensamente.

O Cruzeiro do Sul, as Três Marias e um monte de outras formas que ela não sabia identificar, mas entre elas vindo com o vento que lhe agitava os cabelos vinha um sorriso que ela conhecia bem.

Pensou vagamente que aquela sua lua em câncer ainda lhe daria problemas depois sorriu também e sabia que de algum modo sorriam juntos naquele momento.

Ficou bem quieta e murmurou as frases que não pretendia dizer de outra forma depois afastou os resquícios de luar e de estrelas, virou o rosto na direção de casa e tentou ignorar o mar de estrelas em que sorriso nadava.

Longe dali ele ficou quieto, resmungando as respostas depois espanou aqui e ali os cacos das palavras não ditas com um gesto seguro e distraído, e elas caiam tilintando pelo chão. Pegou o copo a sua frente e bebeu devagar, ajustando os olhos ao seu mundo que parecia ficar estranhamente fora de foco em noites assim.

26 de mai. de 2009

Feitos para mim.






A Rosa e as Moiras (Para Rosa Cardoso de Heloisa Galves )


Um jardim de flores imenso!
Detinha - de quem o visse - todos os horizontes
Cloto, Láquises e Átropo; as Moiras
Apareceram como sempre itinerantes
Errantes, “errantes”...

Concordaram que a humanidade
Não merecia tal diversidade
Assim Átropo amolou a tesoura
E depois de um breve divagar
Flores inexistentes começou a abortar.

-Flaquéias pra quê?
Trifânios e Radúzias,
Cambirinas matutinas,
e tantas flores meninas,
jamais hão de florescer!

Cortou as que tinham menos perfume,
Aquelas muito finas,
As com tez de gelatina
Aquelas com muito veneno,
As com folhas demais, as com folhas de menos...

Sobrou do jardim imenso...Apenas uma flor...
Cloto bronqueou:
- Átropo! A Rosa! Vai deixar que ela fique?
E num sorriso maroto assim esclareceu:
-Essa vou poupar, será mãe de todas as outras.
Dos poemas e das músicas
Será que se esqueceu?

-Sem a Rosa, o que seria de Chico e Cartola?
Ary e Pixinguinha?
Vinícius, Juan Guerra?
E o resto da galera?

-Não tecemos o destino de flores,
estamos aqui de enxeridas,
flores me dão enjôo,
com todas essas pétalas!
Mas se não fosse a tal da Rosa...
O que seria dos poetas?


__________________________

Noites de chuva
...


No ritmo da chuva, ponho-me a pensar...
Queria ser o mar
Para te banhar e acalantar
Queria ser o vasto chão
Para matar a tua ânsia, nesta vasta solidão

E se você disser que foi por amor
Não irei negar!
Pois eu só queria ser o macio
De galanteios de bandido
Nesta nossa solidão noturna
D’onde exala a prece,
Diante de nossos segredos...

Reinvento sobre a lua e a terra
A nossa essência grata da alma
Que nos deixa sempre em fuga
De nós mesmos...
Destas nossas mentiras diversas
Em que disfarçamos nossos desejos...

Nesta constelação de porte
Não somos os senhores da redenção
E muito menos, os da pureza!
Somos o deserto de algum lugar
Em nossa própria catedral
De solidão secular
D’onde nós, nos encontramos...

Gota a gota de nosso palácio temeroso
Flameja através deste teclado
Como se fossem das asas de uma borboleta
Que dança sobre o vento
Através dos mistérios do mundo
Sobre o fogo eterno
Dos nossos sonhos e visões

Dentre o nascer do dia
E a espera do anoitecer
D’onde nem queríamos perceber
Esta ação bélica de coalizão
De anseios e recordações
Sorrateira a superfície da alma
Em que nós rasgávamos as nossas bandeiras
Subindo aos céus, sem as cordas para nos segurar

Hoje, então, como pobres deuses
D’onde temos que apagar as luzes
Para calar a voz
Que não nos deixa encontrar a paz
D’onde circulam as longas carabinas
Que nos reconhecem

Digo-te!
Estou longe de chegar
A ser o colibri dourado
Nesta minha superfície livre
De crise e temor
Sou apenas uma simples flor
De folha lírica em meu fado
Que cai sobre ti.


Fernando A. Troncoso Rocha


_________________________________
Mais de Rosa (Ruy Villani)


Rosa me pousa.
Não ousa.
É leve como borboleta
E me alimenta como seio
Da mãe preta.

Rosa me tranqüiliza
E desliza entre meus dedos
Permeia e enfrenta meus medos
Me conhece mais que eu
Mesmo me conheceria.

Rosa é mais que irmã, mais que tia
É a soma das razões de crer
Em algum ente, em algum ser.

Rosa, apelido de flor
Daquelas estigmatizadas
Mas Rosa, essa Rosa
É o encontro de estradas
A antítese da bifurcação.

Pois dedico tais palavras a essa Rosa
Deveria ser em prosa, que é meu modo recorrente
Mas essa Rosa da gente
É poema em si. Não há opção.

__________________________

Um poema para Rosa (Ruy Villani)

Jamais será uma prosa
Jamais fugirá à temática
Nem em teoria,
Quanto menos na prática.

Um poema bem singelo
Que mostre apenas o elo
Que nos torna mais que ilustres
Desconhecidos, entre achados
E perdidos, meras almas afinadas.

Quantas rimas, até então desperdiçadas
Foram necessárias a esse entendimento,
Quanto se abusou do momento
Até que este se tornasse simples e natural

Um poema para Rosa, não a prosa
Pois que ela se alegra dos versos
E assim me entende, quase metrificado
Mas livre, a ponto de ser lido,
Entendido e confirmado.

Meu poema para Rosa, não é prosa
É um ato agradecido
E em versos atestado.

25 de mai. de 2009

Macondo



Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.

O quarto estava frio, e pela janela, vi que a chuva continuava a cair. Chovia sem parar e eu me sentia um habitante de Macondo. Podia jurar que os lençóis ao meu redor estavam mofando. Levantei e escancarei a janela, deixando que o vento úmido lavasse os cheiros, as memórias e os desejos. Devo ter ficado muito tempo ali pois quando me voltei ele estava lá me olhando com um ar preocupado e ao mesmo tempo irritado.

Fechei a janela não tanto por ele, mais pelos livros. Ele pegou um lençol e me envolveu num abraço que fez morrer todas as frases de adeus que eu tinha ensaiado. Era um daqueles gestos de carinho que faziam com que eu me enredasse cada vez mais naquela cama, naqueles braços, naquele beijo. Esses pequenos gestos me desmontavam. Logo eu que era diplomado em histórias sem futuro, diplomado em solidão assistida.

Ele me apoiou e seus olhos agora mostravam apenas carinho e preocupação. Comecei a suar, talvez fosse a febre. Passou a mão pelo meu rosto e senti minha cabeça rodar. Outro carinho desses e eu estaria perdido.

Ele me amparou pacientemente. Depois tirou minha roupa molhada e me colocou na cama, onde eu fiquei como um zumbi enquanto me enxugava os poucos cabelos. Esfregou minha cabeça até que toda a umidade sumiu. Depois, arrumou tudo e se acomodou na cama limpa,os braços em torno de mim. Caí na armadilha. Retorcendo-me de revolta,mas caí e antes que pudesse levantar meus escudos ou chamar o Batman eu já estava apaixonado.

Em algum lugar da velha cidade os sinos tocavam enquanto a chuva caia sem parar,enquanto o vizinho ouvia “futuros amantes” do Chico numa espécie de vaticínio absurdo. Em algum lugar naquela maldita cidade os sinos tocavam enquanto eu me perdia numa troca inútil de sentimentos e fluidos.


30 de abr. de 2009

AUTÓPSIA PSICOLÓGICA





Havia um lugar em que eu queria estar agora, um ponto no fundo do quintal da casa em que eu cresci, um lugar aonde eu ia para chorar sem que me vissem (odeio que me vejam chorar) ou apenas para sentir o vento.

Lá ficava uma mangueira. Era mais nova que as outras árvores e na luta por sol havia se tornado a mais alta. Quase não tinha galhos laterais, era longilínea e sua copa se erguia acima de todas as outras. Só eu conseguia escalar aquela árvore, por isso a considerava minha. Era no alto dela que eu gostaria de estar. Escondida entre as folhas, esquecida do tempo. Infelizmente isso não seria possível já que a árvore foi cortada e no lugar da casa existe agora um prédio feio. Moro em outra cidade, outro tempo, outro corpo e não posso me esconder... Nem sempre.

Era de manhã quando ele ligou. Confesso que pensei em não atender. Sabia quem era e achava que sabia a razão do chamado. Estava errada, não sabia.

“Alô. É você? Tem alguma idéia de que horas são?”

“Cala a boca e escuta.”

Levei um susto enorme com o tom de urgência na voz. Um choque que me fez obedecer e suspender as reclamações.

“Presta atenção, meu amor. Eu decidi ir embora.”

“Como assim?”

“Fica calada e me escuta. Não é você... não tem nada errado com você OK... Não admito que pense assim depois... não esquece... EU DECIDI.”

“Você não tá falando sério.”

“Presta atenção! EU QUERO IR EMBORA E NINGUÉM TEM NADA COM ISSO!”Ele oscilava entre o sussurro e um tom próximo do grito. “Mandei um bilhete pro resto da família... mas com você eu queria falar... queria te ouvir antes...”

“Pára com isso! Onde você tá? Eu vou te buscar...”

Podia ouvir o vento em meio a um silêncio absurdo, tudo parado como se nada mais importasse além da voz dele no telefone. Depois de uma longa pausa, ele suspirou.

“Eu sei que viria, mas não dessa vez... Obrigada, anjo... eu quero ir embora.”

“Por favor, só me diz onde diabos você está e fica falando comigo, não desliga!”, eu disse pegando as chaves do carro e correndo para a garagem. O silêncio dele me assustando cada vez mais. “Fala comigo!”

“Só queria que soubesse... Não é sua culpa... um beijo, anjo.”

Fiquei algum tempo olhando para a chave inútil. A chuva começou naquela hora.

Chove enquanto eu fico aqui cercada por cartas, bilhetes, fotos e livros que explicam o que eu já sabia. Desisto de ler.

Assisto a cidade afundar numa tarde aquosa. Penso vagamente em andar na tempestade. Olho da janela minha rua transformada num rio pardacento e desisto disso, também.

Minhas idéias giram, rodopiam sem parar, os pensamentos embaraçam seus longos tentáculos e acabo por não pensar coerentemente. O céu ali, à esquerda do poente, abriu-se num magnífico azul que se expande. Sobre as árvores da praça surge um arco-íris e eu me escondo nele. Vento e chuva entram pela janela aberta. E se eu fechar os olhos posso ver a árvore morta dos meus devaneios.



* Tela: Miranda, The Tempest de John Williams

20 de abr. de 2009

PEQUENO PRÍNCIPE




há tantos planetas
pequeno príncipe
tantas galáxias distantes
entrevistas nas frestas
dessas conversas

há tantos laços,
pequeno príncipe
tantos beijos partidos
nessa voragem rasa
em que vagamos rendidos

são vórtices furiosos,
querido amigo distraído e
mastigam teu sorriso
que vagueia no poente

há tanto para não dizer,
pequeno príncipe perdido
tanto para não fazer
não vê?

a tarde caiu pesada e ávara
o sol enlouqueceu
tingiu tudo de um vermelho
vago de inferno

bruxas e santas me recitam
num delírio de céus e pecados
cada vez mais caras
irreais, surreais

é tarde, meu pequeno
(rosa cardoso)

28 de mar. de 2009

NOME DE POEMA by CADO: NAVEGADOR DO IMPONDERÁVEL






Dos sábados espero que obedeçam meus desejos
E não me neguem o sol destas vontades sufocadas
Que cegam teus olhos brancos de Rei-Édipo em Colona
Quando enfim enxergas dentro o teu ódio corrompido

Mas vez em quando sombreiam o lado sul do meu dia
Retraindo as fantasias dos sorrisos planejados
Na semana mais ou menos das playlists depressivas
E algum verde pelos parques em caminhos outonais

Deambulando confuso por entre arestas de culpas
Sobrevivo às enxurradas do que é demasiado humano
Por fugir à poesia ao desprezar formalidades
E preferir as canções ao silêncio emoldurado

E por supor que é na arte que salvarei os meus dias
Do afogamento contínuo na qualquer coisa do ontem
É que sigo futurando meus atos de insanidade
Insana fé nas palavras dos livros dos homens sábios

E sabedor dos limites de meu palavrear prolixo
Paro por aqui pensando no som de minhas palavras
Em teus ouvidos cansados do ritmo quebrantado
De dizeres que pretendem ganhar nome de poema

HOJE



.


Hoje a vi sorrindo.
Casualmente.
E a chuva fina
Passou a gotejar
Pedaços de luz
Na minha direção.


O sorriso de hoje
É apenas mais um,
Depois de outros,
Depois de tantos
Desde aquele primeiro.


Hoje imagino
Um sorriso verdadeiro.
Um que me acalme,
Que me desarme.
Um que me invada.


Ela já foi tantas...
Tantos nomes,
Em tantos contos de fada,
Que hoje
Nem ao certo sei como
É o seu nome...
Talvez seja mera dúvida,
Essa mesma que nos consome,
Digerindo em estômago de avestruz
O ranço opaco
Que só o desencontro
Produz.

Mas hoje...
Não quero mais falar disso.
Hoje a ví sorrindo.
E isso me basta.
O mesmo sorriso,
Lindo.
A mesma face casta,
Daquela bacante
Que me devorou com os olhos ontem.
O mesmo rosto aliviado,
Que na preguiça da manhã
Abriu um dia bom.

Hoje.


---------------------------------------EDUARDO PERRONE-----------------------------------

13 de fev. de 2009

As cartas que Não Mandei




Você me pergunta o que diria nas cartas que não mandei. Não sei. Há tantas coisas que ficam por dizer, pequenos sussurros não ditos escondidos pelos cantos das conversas.

Poderia dizer que te amo com letras grandes, apenas para te fazer sorrir. Você sempre reclama por que digo que apenas gosto, que tenho afeto, reclama pelo Eu te Amo não dito.

Poderia envelopar o abraço que não dei nos dias em que não fui te ver.

Falamos tanto e ainda assim você quer mais. Não sei se há algo além, não há segredos a contar já te disse todos. Acho que está enganado o que quer mesmo é envelopar o silêncio. Sabe aquele silêncio bom e cúmplice?

Acho que gostaria disso.

Então nessa carta que talvez eu nunca mande,que talvez jamais te alcance eu te enviaria meu abraço,minha pele silenciosamente encostada na tua enquanto ouvimos a chuva caindo mansamente.




* tela : The Letter oléo sobre tela de David Carmack Lewis http://davidcarmacklewis.com/portfolio/africa.htm

5 de fev. de 2009

Nonsense








gosto da tua presunção

me deixo enganar

ignoro os avisos

me enredo

lacônicos sorrisos

te distraio



manipuladora gentil



invento sonhos

intento futuros

castelos

refletidos no olhar


1 de fev. de 2009

descaminhos





teus olhos hábeis
traçaram descaminhos

nas vidraças
nas janelas

não evitei
não discuti

chegaram assim
sem aviso

raios alaranjados
cobriam o céu

teu sorriso me olhava
num consentimento velado

felicidade breve
apressada e distraída

estilhaçando ocasos
bailando em nossas línguas



27 de jan. de 2009

espanhola






senhora,
tua sombra desliza
ninguém vê

o insólito e anacrônico
festim que sonhei
imaginei,
desenhei
desejei

acordei.
olhos abertos sorriso largo
lá fora a lua estava cheia,
a noite seria longa.

estava só.
inquieto e faminto.


era tão bom senti-la ao meu lado.
carregando minhas lembranças
dores e amores passados.

meu sorriso bobo
revela
amo teu corpo
brilhante encanto
em forma de mulher





21 de jan. de 2009

revi




revi
seus olhos
sobre mim

seu coração
reli
esparramado
pelas cadeiras
largado
sobre a mesa

teus sonhos
eram lanche
almoço
sobremesa

reli você
por um instante
filigranas desses sonhos
pareceram minhas


19 de jan. de 2009

Paquerando abismos





em dias assim
o abismo
parece chamar
imensidades

elas sorriem
nas beiradas
abraçadas a você

vagam dos meus lábios
em promessas vadias
que sua loucura acolhe


meus beijos
minha paixão
descem pela garganta
invade

feito água

(rosa cardoso)