26 de abr. de 2024

vórtices



Vaga e oca ela observa os vórtices no céu claro estendendo dedos alongados e fantasmagóricos procurando por ela. Encolheu-se um pouco na poltrona quando um deles passou mais perto ,sentiu  a energia mas suspirou  sabendo-se protegida e invisível. Avançava em direção àquele lugar que já está começando a considerar um lar. Seu coração estava apertado e ela instintivamente apertava o medalhão que trazia escondido sob a blusa. 

Parou um instante , as nuvens pareciam um rebanho de ovelhas em fuga, bordadas num azul intenso e luminoso sem pensar muito no que fazia ela o procurou. O olhar fixado na direção que ele havia escolhido como sua, vasculhou os ventos em busca de um sinal de sua presença, mas nada encontrou. Ele sabia se esconder tão bem quando não queria ser encontrado que a busca era inútil. Ela desistiu.

Fechando os olhos podia rever a menininha curiosa e ansi
osa que ela um dia foi sendo guiada pelos pais até o mestre. Ainda podia ver o sorriso dele, ainda sentia o gosto da ansiedade e do medo que sentiu no primeiro beijo. Podia sentir a raiva que sentira quando ela a mandou embora. Estava tudo ali guardado em suas lembranças, escondido entre seus sonhos.

Abriu os olhos e perdeu-se na observação da estrada e em vigiar o vórtice que se aproximava. Precisava fechar-se também, bloquear todos os canais e afundar no mar de pensamentos corriqueiros para que nem mesmo ele a encontrasse.

Podia sentir que estavam perto, perto demais. Não pretendia voltar, não podia mais negar quem era por isso estava voltando, para reaprender, refazer os caminhos e no processo reencontrar a si mesma. Nunca aceitou muito bem os métodos dele, nunca falaram exatamente a mesma língua exceto na cama.

Lembrava-se de uma discussão com o amigo, numa manhã de primavera. Estavam deitados na grama os pés descalços mergulhados na água fria do lago.

— Não seja tonta — disse caçoando — Ninguém em sã consciência renega esse poder! Você mesma não renega completamente, andou pesquisando e treinando não foi? Arrancou de mim toda a informação que podia e eu te ensinei o melhor que pude!

Ela sentiu-se de novo inundada pela raiva. Poderia ter se afogado nela. Ela não escolheu, apenas aceitou os fatos. Havia aprendido muito, tornara-se eficiente deixando de ser distraída, embora ainda fosse crédula e muito descuidada com sua própria segurança é verdade, mas ainda assim muito capaz.

— Eu não preciso de vocês. Nem de você nem de ninguém. Eu só preciso... Acreditar em mim mesma e posso perfeitamente viver sem isso!

Ele gargalhou e pondo-se sobre ela, prendeu seu rosto entre as mãos e deu-lhe um beijo.

— Você é pura magia, mesmo que não use seu maldito medalhão. E eu preciso de você, vem morar comigo? Quebro meu medalhão se você disser que sim e até compro o maldito carro se quiser, embora voar seja bem mais rápido e eu sem minha mágica perca metade do meu charme e me sinta a mais desprotegida das criaturas eu faria isso por você!

— E as pessoas ainda te acusam de ser manipulador? Que injustiça! Você é o rei dos manipuladores! —ela o beijou sem pressa. —Você está certo é tolice minha... Não consigo imaginar você num carro comigo.

A lembrança se foi assim como ela o abandonara há muito tempo, junto com outros pequenos sonhos.

hades


roça meus olhos teu beijo vago
a tarde despenca em gotas de suor

direto do hades você me recita
lista feitiços e convida
num mantra dissonante
que sorri débil e febril

arrebentando os anteparos
distraída canta meus olhos

violentando as palavras
tua língua me conta

foram dez beijos inexistentes

os símbolos deslizam sob a porta
enquanto os corvos te devoram
 
(rosa cardoso)


 

31 de mar. de 2024

não tem nome





 o céu dispara seus dardos

setas azuis lancinantes

fiapos de sombra rastejam medos


cismo anjos

livros sedados

fogueiras e selos

sexo e mentiras


tudo cai


enredadas pelos cantos as meadas desfiam

longos rosários de verdades entrecortadas

os anjos segredam revelações

em meus olhos moucos


queria que contassem dos desenhos

das tramas traçadas

dos ardis pintados na areia


mas eles sussurram sem parar

cegando teus encantos


queria que ouvissem

essas notas dissonantes e embaraçadas

sopradas no avesso da trama


distraída pela algaravia de cores

despedaço teu olhar surdo

espargindo cacos

vitríolos em que refulgem incêndios


Rosa Cardoso




densidade

 





toda a manhã procurei
esconder dos teus olhos
esse peso na alma,
essa inquietude,
essa fome.

é pouca coisa ou, quase nada
um vago temor,
um medo que me espalma
sem pressa
apesar da calma
disfarço,
deslizo.


me escondo,
dentro da folha branca
procurando
sílabas,
palavras,
salvação
nesse poema que me entala

te engano,
te beijo
e sigo

esforço tenso
em tentar ser
densamente leve,
levemente densa

poema de Rosa Cardoso

sinas e tentáculos



Finalmente desentendi
Não me pergunte quando
Deslembro, apago e afago
O dia, a semana, o mês

Você estava lá e basta

Desmonto todos os fatos
Desencaminho sinas e tentáculos

Teu sorriso assassina regras e atos

Ando farta de fatos
Dessas dúvidas órfãs

Numa tarde vazia
Recito orações tecidas em desvario


Poema de Rosa Cardoso

 

delícia




vi nos teus olhos
entre muitos enganos
enlevo e encanto.

que inquietos traçaram
na pele
desvarios e planos

vi na tua boca
entre tantos ardis,
prazer e volúpia.

que ,distraído
deleitei-me com o
gosto agradabilíssimo
dos beijos que não dei.

de tudo ficou esse vazio
em que vago
cheio de você.

ficou essa marca
os sinais... trilhas mentais.

amuleto terrível
talismã de eras abissais.



Poema de Rosa Cardoso

10 de mar. de 2024

vermelho








O espelho nunca reflete direito o cataclismo que é esse buraco na alma, sumidouro de estrelas que se espalha em flores de bolor nas paredes úmidas. 

Ontem pensei em cortar os cabelos, mudar a cor do esmalte, do batom, emagrecer, 
engordar, comer ou jejuar. 
Mudei de deia e dividi beijos mortos para selar as frinchas desse umbral mas a voragem rugiu árida. 
Outra estrela apagou-se com a aurora. 
Deixei que riscasse a pele das coxas. tatuagem vermelha, feitiço fugaz.


de Rosa Cardoso





5 de mar. de 2024

Encanto numero 19






ando na linha
cortando paradoxos
perto dos abismos

corro atrás
d’um sismo
d’um vento torto
d’um sopro na nuca

d’uma mágica
encanto de outro mundo

p’ra abrir as asas
içar velas
 pular noites e dias

virar ocasos em alvorada
 acalmar tempestades

escuta?

grilos
 pirilampos
borboletas
gentes

falam das cismas
 caixas e encaixes

prenso a respiração na entrelinha
esforço p’ra soprar neblina

Não fiz nada e hoje já é ontem!

sem querer,
quase noite
nuvens magenta
arrastam- se

olhos insones

corri desastrada
tropecei no vestido
rendado de promessas

 queria voar ou nadar

 era tão tarde ou tão cedo
 o salto quântico ninguém viu

a terra seguiu girando
naquele ocaso por acaso

 era quase noite
nuvens magenta

tantas!
Imensas!

atrás do tempo,
tempo que vinha

dias a fio enfastiados
 desta tarde inteira

acaso sem fim
a lua escorrega

chegou quando dormia
e desaba na noite que caía

dentro dos espelhos
avessa e cansada
dos futuros que entrevia

visagens inúteis
numa tarde qualquer

cacos de riso pelos cantos
rasgando a pele diáfana
 e a luz respinga por aí


pinta retalhos rendados
na pele nua do tempo,

tempo que vinha
tempo que foi sem ter sido

fechamos os olhos
driblamos a escuridão
dentro dos espelhos
visagens inúteis
numa tarde qualquer
que o breu comia


Poema de Rosa Cardoso

3 de mar. de 2024

língua









Meu corpo fala,
você sabe!

Conhece o idioma.

Minha língua
cadenciada e ladina.

Você sabe,
o que meu corpo fala
quando geme e cicia
e a língua desliza

Lasciva.

E eu te envolvo
lambo
encanto
e você,

me hipnotiza.

Poema de Rosa Cardoso



entranhável





juro que tento
não ouvir esses ecos
com olhos secos

esconjurei ontem
o sacrário vazio
dessa voz surda
que ronda as tardes

esses sussurros enredados
teus redemoinhos apalavrados
embaracei delicadamente
cada um dos tentáculos

enleada fujo
sem muita pressa

juro... juro que tento
não ouvir esses ermos
em que escondemos tanto
é tarde e
meus olhos desertam


Rosa Cardoso

vadiagem




Sorrio.
Pela noite azulada
A cidade dorme

Devaneios enevoados
Repicam no breu

Pensamentos avoantes
Vagam em lenta procissão 

Noctâmbulos pavores
Ciciam em comitivas risonhas

Aprisionada e nua
A alma trêmula
Tremula e sonha


Poema de Rosa Cardoso

1 de mar. de 2024

gueixa





teu sorriso
congelado na foto
faz-me sorrir...

teu olhar travesso
adverte!
não leve a sério
as promessas
mal escuto tuas cantadas
mas teu olhar...
teu olhar me diverte!

traço mapas de beijos
em teu corpo

teu sorriso
instiga meu carinho
estrela cadente
luz que me invade

força sem igual
golpe cortante
nas minhas incertas certezas

beligerante
entrego-me
gueixa-suicida

falsas melenas
longas e retas
pele branca...
finjo ser perfeita
só pra te agradar
acalento teus sonhos

rio de tuas estórias
acredito nas falsas promessas...

só por uma hora
deita aqui!
deixa que eu te encante
com meu sorriso milenar.


Poema de Rosa Cardoso

efígie







cansado de mundo
guerras e presságios
vem e conta sonhos
deixa essa efígie
que pressinto
nas tardes perdidas
em que divagas

ouço tua voz
vem do mar
num sussurro

não explico
só te escuto
num segundo

não discuto
miro teus olhos
incendiados de promessa
vazia e dolente
plantada no azulejo
dessas viagens viúvas

estranhas remessas
desejos e desvarios
que o vento sopra

beijo,teu cenho
de súbito, tristonho,
com temor, prevejo
com esse ato
que é hora de ir




Poema de Rosa Cardoso

marte desarmado



nasci sob o signo de Vênus
meu sorriso dorme na órbita curva

deusa que atravessa nua
o céu cavalgando uma estrela

além do círculo de Marte,

é esse o símbolo que trago
traçado na pele
é essa a marca em que me perco

onde tua espada,
– ser de Marte,
retine e ressoa

Poema de Rosa Cardoso

28 de fev. de 2024

minha







*

obstinada
sua voz repete
a velha prece
convicta

num mantra
restrito
circunscrito
ao teu olhar

um tipo de feitiço
renitente
peculiar

– minha
não importa
o que aconteça –



*
Poema de Rosa Cardoso

densidade











toda a manhã procurei

esconder dos teus olhos
esse peso na alma,
essa inquietude,
essa fome.

é pouca coisa ou, quase nada
um vago temor,
um medo que me espalma
sem pressa
apesar da calma
disfarço,
deslizo.


me escondo,
dentro da folha branca
procurando
sílabas,
palavras,
salvação
nesse poema que me entala

te engano,
te beijo
e sigo

esforço tenso
em tentar ser
densamente leve,
levemente densa


Poema de Rosa Cardoso

24 de fev. de 2024

naufragada







Minha cabeça roda
Entorpecida
Naufragada na escuridão
Afundando-se cada vez mais
No temor e angustia

Meus olhos nus
Vagueiam tontos
A espera de uma luz
Querendo fugir
Ou apenas gritar

Minha voz embargada
Agarra-se à garganta
Sem forças
Sufocando o grito
Hipnotizando a inquietação
Matando a esperança

Depois vou dormir,
depois vou acordar,
depois vou trabalhar

e depois vou voltar.

Poema de Rosa Cardoso

amém




é complicado ser casual
quando os olhos deslizam
leves
sem pedir aprovação

falamos do tempo
teu olhar desce pelo decote
e meu sorriso
disfarça com precisão
descaso estudado

a boca fala de nadas
importantíssimos
e você vê
perplexo
usos
encaixes

falamos
viagens
crises
palavras

coisas tão pequenas
que te salvam
os anjos sorriem

lembro do tempo
em que cega
viajei contigo de olhos bem abertos
embalada e perdida

é complicado ser casual
com essa coisa
por dizer

Rosa Cardoso

olhar futuro






Sol Azul

Céu dourado

Mar translucida mente púrpura


Tudo em seu lugar

Vago até seus olhos futuros


...em algum lugar

você me vê...

ou talvez me pressinta.


Pendurado numa estrela

quase me toca.

poema de Rosa Cardoso

impreciso



Tantos desejos
Tantos sonhos
Preciso não cansar


Sonhos fugidios
Imagens de cometas
Preciso não sonhar

Tantas ideias
Tantas contradições
Preciso não pensar

Tantas imagens
Inquietas e doces
Preciso não precisar

poema de Rosa Cardoso

presente






Se viesses me ver 
Se tivesse que ser
Seríamos o pôr-do-sol

Embrulhados nas cores 

Acasos dos ocasos

Voando nos ventos

Seríamos abril
ou maio
ou dezembro

 Queríamos agosto

Embalados e tesos
 bolhas-beijo

Pacotes extraviados
aterrariam aterrados

 Milhas antigas 
de deixas perdidas
encerrariam o ato
...se viesses  ver...

poema de rosa cardoso

avesso das coisas








queria que contasse
o que vê do alto

desenhos traçados na areia
linhas confusas

essas que se embaraçam
nos meus passos

trançam meus cabelos
que me prendem aqui
no avesso das coisas

queria não ouvir
as canções gritadas no vento

essas notas dissonantes
que me enlaçam
prendem do lado avesso

a pantera fugiu
sou apenas a sombra da fera


descompasso





acho que o tempo
esse mesmo
que me cobra
está errado

acho que meu tempo
está errado
errei na contagem

desde ontem
conto e reconto
não consigo
acertar meu tempo

não consigo acertar
meu pulso


Poema de Rosa Cardoso

20 de fev. de 2024

Quaresma




na quadragésima hora
as badaladas avisaram
que chegavas
cobri teus olhos

panos arroxeados
sombras e flores
te escondiam da ressurreição
em que tateavas

dedos longos que escapavam
deslindando pele e sonho
tuas asas de anjo torto
a me adivinhar!



Rosa Cardoso








15 de fev. de 2024

desatino





distraída
na pedra fria

caída
na chuva

atos

todos falhos

o lobo sorri
escondendo os dentes
eu sorrio
desvairada

cortada ao meio
lacerada

o frio escorregando pelas entranhas

descia pela chão
em arabescos


Poema de Rosa Cardoso

banquete






no quarto o lobo espera.
os olhos, fitos na porta,
brilham.
antecipando o prazer.

na sala, a moça treme,
os olhos, fitos na porta,
brilham.
antevendo as presas.

no quarto, o lobo brinca.
os olhos, fitos no vermelho,
brilham.
devorando a carne branca.

no quarto, a moça morre.
os olhos, fitos no vermelho,
brilham.
implorando uma última mordida.


Rosa Cardoso

Parca




Alguém vaticinou
em eras perdidas,
entre sonhos e
quimeras ,
entre uma volta e outra
do fuso
que não nos veríamos jamais.

Trapaceiro decidi
...vou vendado

fecha os olhos
o vaticínio se mantém
e você não terá me visto
nem eu também

pronto
problema resolvido
sucesso garantido
o resto era acessório

tua pele e a minha
tem um mapa
que conheço bem

....vou deixar escritas
Instruções
Em braile
gravadas na pedra

responde,
e qualquer dia te pego...
numa parede qualquer.

Poema de Rosa Cardoso






A Natureza do Jogo






Sabe? Alguma coisa não fecha, alguma coisa não bate quando penso nela e, ao contrário do que pensa a maioria, conviver com a telepatia é um peso infernal. O que eu não entendo é como posso sentir falta do que não conheço? Não deveria doer. Afinal não era real ou era? A dor é incrivelmente real. Sinto falta das conversas. Do entendimento mágico que, provavelmente, nem acontecia. Dessa amizade quase palpável.

Tenho me sentido péssima. Penso nisso o tempo todo. Ninguém aparece para conversar até tarde da noite. Ainda assim quando chega a noite ligo essa máquina infernal e fico aqui banhada por essa luz espectral esperando por um sinal qualquer. Que não vem.

Estou longe pra me fazer ouvir, na verdade nem sei se quero mesmo falar com você. O que ficou foi a ideia que fiz de você. Inatacável, perfeita e inatingível. Como você agora. Ficamos no quase, na esfera das possibilidades e eu preciso ser sensata e deletar você da minha vida também. Eliminar essa lembrança de um momento que não existiu. Hoje vou tentar seguir em frente, um passo por vez.

Levanto da cama ligo o notebook e escolho uma playlist aleatória. Começo a ver as notificações e e-mails atrasados quando um anúncio aparece ao lado. É uma receita de bolo. Sorrio com o timing perfeito dessas máquinas. Resolvo cozinhar e vasculho a dispensa: farinha de trigo, bicarbonato de sódio, sal, cacau em pó, leite, limão, essência de baunilha, açúcar, açúcar mascavo, manteiga sem sal, ovos e chocolate meio amargo. Arrumei tudo sobre a mesa e comecei a trabalhar. Focada na receita.

Peneirei a farinha, o sal e o bicarbonato. Misturei o cacau e a água morna até ficar homogêneo. Misturei o buttermilk, a água e a essência de baunilha. Liguei a batedeira, bati a manteiga com os açúcares até ficar levinho. Com a batedeira ligada, adicionei um ovo de cada vez e bati até a massa ficar fofa. Adicionei à mistura de cacau com a batedeira em velocidade baixa, depois a mistura de farinha, alternando com a mistura de buttermilk, sendo três adições de farinha e duas de buttermilk, começando e terminando com a mistura de farinha.

Incorporei o chocolate ralado e joguei a mistura na forma para assar por mais ou menos 45 minutos. Foi quando percebi a música que eu estava acompanhando sem querer.
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, mm yeah
But what's puzzling you
Is the nature of my game, mm mean it, get down
Tell me baby, what's my name
Tell me honey, can ya guess my name
Tell me baby, what's my name
I tell you one time, you're to blame

Olhei para trás e lá estava ela: Vésper. Era assim que ela se apresentava em nossos encontros virtuais. Eu sorri. Ela sorriu e sussurrou: Saudades sweetie?
Eu permaneci meio tonta e confusa e muda. Como? Você me chamou sweetie.
Chamei?
Huhum. Como?
Devil’s Cake, Simpathy for the devil?
Foi por acaso.
Nada , acredite, nada é por acaso!
Quer dizer que eu te invoquei?
Sim, invocou!
E você é o demônio ou um deles?
Não sweetie:EU SOU O PRÓPRIO.
Fiquei olhando para os seios que apontavam sob a camiseta de malha branca. Ela sorriu. Você realmente acha que alguém denominado “estrela da manhã” liga para gêneros?
Ela sentou numa das cadeiras cruzou as pernas longas e cantarolava: Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
(Who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby
(Who who, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
But what's confusing you
Is just the nature of my game

hirta


.



Decidi
to me desligando
fechando a porta

devagar
sem olhar
meço meus passos

retesada
tensa
hirta

finjo um adeus

rija
firme
enérgica
intrépida
ríspida

decidi
to me desligando
fechando a porta

o vento cicia
palavras confusas

“tudo isso é passageiro
nós somos eternos”



Poema de Rosa Cardoso


.



14 de fev. de 2024

deslize







escorrego,
enquanto fujo
pela vereda
e resvalo
em teu olhar.

– suicida afável –

despenco entre
lembranças autóctones
aborígenes gentis
que me deslizam
em asas enlutadas


quase entendo
enquanto ouço
palavras risonhas.





poema de rosa cardoso


desencana





olha em volta,
não há premissas,
remissão
ou fada de plantão.

nessa noite,
saio armada;
salto alto,
batom,
mira e precisão.

– desvario –

não tem
docinho nenhum,

príncipe
nem mesmo
sapo escondido;

nenhum querubim
desvalido.

– desencana –

põe na conta:
o sábado tá perdido.

abduzido
por essa fada
desligada.
a que te desencantou.
.

(Rosa Cardoso)

avesso




Meu corpo é teu
Moro no abismo
Imersa em teu olhar

Meu desejo é teu
E alimenta essa voragem
Teu olhar me consome

Sigo desequilibrada
Sem norte
Sem rumo

Teus olhos
Teu desejo
Teu corpo

Sobra a alma essa desconhecida
Que se esconde no sorvedouro
Dos teus cataclismos

Poema de Rosa Cardoso

13 de fev. de 2024

Alquimia




Decantei
em longos,
sinuosos versos,
o veneno das tuas presas


Encorujei meu espírito
protegendo-me
das setas
e elas continuam
a procurar meu peito.


Rezou pra eu te esquecer?
Foi em vão...

Sigo zonza, insone,
vagueio pela cidade
envenenada e louca...


Poema de Rosa Cardoso

Medusa, Prometeu, totens e espelhos




















hoje pensei tanto nessa coisa doida
pensei no teu sorriso
sorri da tua voz


cansei de te ver
mas gostei de te sorrir
da nesga da janela
donde despenca esse céu

eu te chamo

doidivana mente

tempestuoso vento trás teu nome
e vens arrastado e sereno
contar dos nadas abissais

braços remotos falam de totens colossais
cabeças de Górgonas caem dos bolsos
recolho cacos no colo
acaricio teus cabelos


sorrimos e eu

desentendo


deslizo dedos tortos
pelo reverso desses medos

quietos e caros

roubei a égide de uma deusa
 tão doida quanto eu
numa tarde quieta de abril
para congelar sorrisos
prometeu empedrar paixões e terrores


Odisseu, Aquiles, Penélope, Zeus, todos prometeram

Afrodite te escondeu sob um manto fino


oblíquo tu desvias dessa defesa incerta,
ri das serpentes que invento,
abraça-me os joelhos
através dos espelhos em que me guardas
deslinda venenos
destrava portas

ilumina desencantos febris

Poema de Rosa Cardoso