9 de ago. de 2022

PELE





acho que devo vestir algo
cobrir o corpo em que passeias
tatuagens que a saliva deixa

me travestir de santa
adotar uns mantos azuis
usar armas e capa vermelha?

beijo na boca
e você me tateia
novas linhas marcam
descaminhos na pele nua

assobia uma canção
diz ser minha
traceja notas e arpejos
me faz partitura
delicado arranjo

allegro , adagio, allegro molto
notas perdidas de um chorinho

o abraço vem e me envolve
e termino a manhã vestida
entronizada e encantada

manto de pele
armas de beijo

toda decente,
me visto de você

Poema de Rosa Cardoso

Pouso forçado




Sombra sentada sobre mim
Passagem para a melancolia

Tristeza discreta
Quase sem avaria

Nessa fase conformista
Dentro dos conformes
Liguei o modo avião

Funciona?
Não sei ao certo
Conto quando aterrar

Olho as ondas e marolas
Revoltas brandas
Céus de brigadeiro

Todo dia um golpe
Um soco na boca da alma
E, pelo canto do olho assisto
Outra conquista estuprada

Quem liga?

Aperte os cintos
Não olhe pra baixo
Não se afogue
Não se queixe
Não desabe

Esqueça o goblin
Amarre o incubus

Desacelere !
Lá vem a pista!


Poema de Rosa Cardoso 

festim





Relances distraídos
Escapam pelas frestas

Em seu imaginário
Instantes de festim
Trechos escolhidos
Pedaços de mim

Você
meu relicário



Poema de Rosa Cardoso

5 de ago. de 2022

Verbo Suicida









resisto ao verbo, faço-me de forte.
e as palavras caem,
tilintam pelo caos
canção feita de ecos,
dissonante, alma errante
árida,
viciada e exangue,
por onde minhas águas saem.


não discuto, pois se é de luto,
é tarde
demais para que eu chore.


elas despencam
desarvoradas e inertes,
e mesmo a flor que nasce
morre...
desabada pelo chão.


ouve
retinem sinos enferrujados!
pelo céu destroçado
de cada uma de minhas preces.


tuas palavras esfiapadas
flutuam em cacos de sorrisos,
Somes! Desapareces...
e me ficam só
sussurros em fios partidos.


e louca, tal Joana de Espanha,
danço distraída pela algaravia
e as palavras caem
espargindo os cacos
vítreos pedaços
de cada lágrima
em que refulge teu olhar
e que não ousei verter.


é tão tarde, não vê ...?


com que rimas direi
minhas palavras?
se meu verbo está mudo
pela tua boca colada à minha...?
pelo vírus que me sangra ,
pelos teus infernais remédios...
pelo que só se sente
diante do tédio
que sente cada escritor.
a dor de não fingir o que sente,
esse processo indecente
de rasgar laudas e laudas,
lançando-as aos céus.
são apenas, e tão somente
fantasmas...
kamikazes
de papel...