27 de mai. de 2009

Palavras não ditas.




Foi no exato momento em que desceu do velho ônibus barulhento que as luzes apagaram-se na cidade. Sabia que deveria apressar o passo e sair da rua, antes que fosse assaltada de novo,mas a noite estava tão bonita e as estrelas surpreendidas pela liberdade que o súbito apagão lhes dera,brilhavam mais intensamente.

O Cruzeiro do Sul, as Três Marias e um monte de outras formas que ela não sabia identificar, mas entre elas vindo com o vento que lhe agitava os cabelos vinha um sorriso que ela conhecia bem.

Pensou vagamente que aquela sua lua em câncer ainda lhe daria problemas depois sorriu também e sabia que de algum modo sorriam juntos naquele momento.

Ficou bem quieta e murmurou as frases que não pretendia dizer de outra forma depois afastou os resquícios de luar e de estrelas, virou o rosto na direção de casa e tentou ignorar o mar de estrelas em que sorriso nadava.

Longe dali ele ficou quieto, resmungando as respostas depois espanou aqui e ali os cacos das palavras não ditas com um gesto seguro e distraído, e elas caiam tilintando pelo chão. Pegou o copo a sua frente e bebeu devagar, ajustando os olhos ao seu mundo que parecia ficar estranhamente fora de foco em noites assim.

26 de mai. de 2009

Feitos para mim.






A Rosa e as Moiras (Para Rosa Cardoso de Heloisa Galves )


Um jardim de flores imenso!
Detinha - de quem o visse - todos os horizontes
Cloto, Láquises e Átropo; as Moiras
Apareceram como sempre itinerantes
Errantes, “errantes”...

Concordaram que a humanidade
Não merecia tal diversidade
Assim Átropo amolou a tesoura
E depois de um breve divagar
Flores inexistentes começou a abortar.

-Flaquéias pra quê?
Trifânios e Radúzias,
Cambirinas matutinas,
e tantas flores meninas,
jamais hão de florescer!

Cortou as que tinham menos perfume,
Aquelas muito finas,
As com tez de gelatina
Aquelas com muito veneno,
As com folhas demais, as com folhas de menos...

Sobrou do jardim imenso...Apenas uma flor...
Cloto bronqueou:
- Átropo! A Rosa! Vai deixar que ela fique?
E num sorriso maroto assim esclareceu:
-Essa vou poupar, será mãe de todas as outras.
Dos poemas e das músicas
Será que se esqueceu?

-Sem a Rosa, o que seria de Chico e Cartola?
Ary e Pixinguinha?
Vinícius, Juan Guerra?
E o resto da galera?

-Não tecemos o destino de flores,
estamos aqui de enxeridas,
flores me dão enjôo,
com todas essas pétalas!
Mas se não fosse a tal da Rosa...
O que seria dos poetas?


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Noites de chuva
...


No ritmo da chuva, ponho-me a pensar...
Queria ser o mar
Para te banhar e acalantar
Queria ser o vasto chão
Para matar a tua ânsia, nesta vasta solidão

E se você disser que foi por amor
Não irei negar!
Pois eu só queria ser o macio
De galanteios de bandido
Nesta nossa solidão noturna
D’onde exala a prece,
Diante de nossos segredos...

Reinvento sobre a lua e a terra
A nossa essência grata da alma
Que nos deixa sempre em fuga
De nós mesmos...
Destas nossas mentiras diversas
Em que disfarçamos nossos desejos...

Nesta constelação de porte
Não somos os senhores da redenção
E muito menos, os da pureza!
Somos o deserto de algum lugar
Em nossa própria catedral
De solidão secular
D’onde nós, nos encontramos...

Gota a gota de nosso palácio temeroso
Flameja através deste teclado
Como se fossem das asas de uma borboleta
Que dança sobre o vento
Através dos mistérios do mundo
Sobre o fogo eterno
Dos nossos sonhos e visões

Dentre o nascer do dia
E a espera do anoitecer
D’onde nem queríamos perceber
Esta ação bélica de coalizão
De anseios e recordações
Sorrateira a superfície da alma
Em que nós rasgávamos as nossas bandeiras
Subindo aos céus, sem as cordas para nos segurar

Hoje, então, como pobres deuses
D’onde temos que apagar as luzes
Para calar a voz
Que não nos deixa encontrar a paz
D’onde circulam as longas carabinas
Que nos reconhecem

Digo-te!
Estou longe de chegar
A ser o colibri dourado
Nesta minha superfície livre
De crise e temor
Sou apenas uma simples flor
De folha lírica em meu fado
Que cai sobre ti.


Fernando A. Troncoso Rocha


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Mais de Rosa (Ruy Villani)


Rosa me pousa.
Não ousa.
É leve como borboleta
E me alimenta como seio
Da mãe preta.

Rosa me tranqüiliza
E desliza entre meus dedos
Permeia e enfrenta meus medos
Me conhece mais que eu
Mesmo me conheceria.

Rosa é mais que irmã, mais que tia
É a soma das razões de crer
Em algum ente, em algum ser.

Rosa, apelido de flor
Daquelas estigmatizadas
Mas Rosa, essa Rosa
É o encontro de estradas
A antítese da bifurcação.

Pois dedico tais palavras a essa Rosa
Deveria ser em prosa, que é meu modo recorrente
Mas essa Rosa da gente
É poema em si. Não há opção.

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Um poema para Rosa (Ruy Villani)

Jamais será uma prosa
Jamais fugirá à temática
Nem em teoria,
Quanto menos na prática.

Um poema bem singelo
Que mostre apenas o elo
Que nos torna mais que ilustres
Desconhecidos, entre achados
E perdidos, meras almas afinadas.

Quantas rimas, até então desperdiçadas
Foram necessárias a esse entendimento,
Quanto se abusou do momento
Até que este se tornasse simples e natural

Um poema para Rosa, não a prosa
Pois que ela se alegra dos versos
E assim me entende, quase metrificado
Mas livre, a ponto de ser lido,
Entendido e confirmado.

Meu poema para Rosa, não é prosa
É um ato agradecido
E em versos atestado.

25 de mai. de 2009

Macondo



Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.

O quarto estava frio, e pela janela, vi que a chuva continuava a cair. Chovia sem parar e eu me sentia um habitante de Macondo. Podia jurar que os lençóis ao meu redor estavam mofando. Levantei e escancarei a janela, deixando que o vento úmido lavasse os cheiros, as memórias e os desejos. Devo ter ficado muito tempo ali pois quando me voltei ele estava lá me olhando com um ar preocupado e ao mesmo tempo irritado.

Fechei a janela não tanto por ele, mais pelos livros. Ele pegou um lençol e me envolveu num abraço que fez morrer todas as frases de adeus que eu tinha ensaiado. Era um daqueles gestos de carinho que faziam com que eu me enredasse cada vez mais naquela cama, naqueles braços, naquele beijo. Esses pequenos gestos me desmontavam. Logo eu que era diplomado em histórias sem futuro, diplomado em solidão assistida.

Ele me apoiou e seus olhos agora mostravam apenas carinho e preocupação. Comecei a suar, talvez fosse a febre. Passou a mão pelo meu rosto e senti minha cabeça rodar. Outro carinho desses e eu estaria perdido.

Ele me amparou pacientemente. Depois tirou minha roupa molhada e me colocou na cama, onde eu fiquei como um zumbi enquanto me enxugava os poucos cabelos. Esfregou minha cabeça até que toda a umidade sumiu. Depois, arrumou tudo e se acomodou na cama limpa,os braços em torno de mim. Caí na armadilha. Retorcendo-me de revolta,mas caí e antes que pudesse levantar meus escudos ou chamar o Batman eu já estava apaixonado.

Em algum lugar da velha cidade os sinos tocavam enquanto a chuva caia sem parar,enquanto o vizinho ouvia “futuros amantes” do Chico numa espécie de vaticínio absurdo. Em algum lugar naquela maldita cidade os sinos tocavam enquanto eu me perdia numa troca inútil de sentimentos e fluidos.