6 de jul. de 2025

Hora mágica




O feriado esvaia-se. A casa seria em breve despedida, a piscina, saudade. Naquele fim de sábado, o céu azul-profundo salpicava-se de nuvens lentas, emolduradas por palmeiras. Ela flutuava na água térmica, braços abertos, cabelos negros derramados como algas. Os sons do mundo chegavam amortecidos, envoltos no manto líquido. Cada oscilação embalava-a rumo a um não-lugar — quase o limiar do sono, mas ela estava acordada. Respirava. Não pensava.

Até que, por um instante, as nuvens pareceram organizar-se. Não como vapor, mas como pupilas voltadas para ela. Um frio sutil percorreu-lhe a espinha.

 Alguém me observa de muito, muito longe, sussurrou-lhe a mente.

 A impressão evaporou. Fechou os olhos.

Do outro lado do mundo, na penumbra de um quarto, Ele ajustava protocolos. O transe leve trouxera a imagem: piscina, céu, forma humana flutuante. Anotou:

 "Água... luz intensa... calmo."

 De repente, uma lâmpada invisível acendeu-se sobre sua nuca. No monitor, a forma girou o rosto.

 Olhava diretamente para ele.

 Um sorriso quase imperceptível curvou-lhe os lábios — como quem decifra um enigma íntimo.

 Ele arfou, empurrou a cadeira para trás. A tela escureceu. Sua mão tremia ao rabiscar:

 "Alvo consciente. Contato visual. Reconhecimento."

 Precisava reconectar.

Ela não soube como soube. Mas soube.

 A presença era curiosa e distante — um dedo mental tocando seu éter. Por um piscar, viu:

 Caderno aberto. Mão trêmula. Uma palavra rabiscada.

 Depois, vácuo.

Ao abrir os olhos, o sol tingia as nuvens de rosa. Sentou na borda, os pés na água. O formigamento elétrico em suas veias não era medo: era reconexão. Como se algo adormecido nela despertasse. Tocou a têmpora, murmurou:

 — Ele.

A palavra ecoou nela — cheia, redonda, pertencente.

Na manhã seguinte, moveu-se com cadência nova. O cheiro do café, o som das ondas, o toque da toalha — tudo ressoava com nitidez amplificada. "Ele" flutuava em sua mente como um mantra. Nenhum pânico. Apenas a serena aceitação de uma camada acrescentada ao mundo.

Ele passou a noite em claro. Diagramas energéticos, frequências cerebrais riscadas no caderno. Tentou reencontrar a piscina nas coordenadas exatas: vazia. Água inerte sob céu escuro. Nenhum vestígio. A frustração apunhalava-o, mas sob ela pulsava a certeza: ela quebrara os protocolos. Precisava encontrar não o onde, mas o quem.


Semanas depois

Ela flutuava em outra piscina, entardecer. Céu salpicado de nuvens quase-organizadas. Olhos fechados. Sentiu, lá longe, o tremor ansioso tentando perfurar-lhe a quietude — agulha sobre seda.

 Não abriu os olhos. Suspirou. A água levou a vibração áspera, dissolvendo-a em círculos perfeitos.

Mergulhou. Viu o próprio cabelo flutuando como algas negras. Riu baixo: a imagem lembrava rabiscos frenéticos num caderno fantasma.

Ao emergir, o céu era rosa. Saiu da água.

 Não olhou para trás.

No mesmo instante, em seu laboratório, seus dedos,  convulsos, ajustavam frequências. O monitor só mostrava ESTÁTICA. Ele jurava ver vultos na névoa digital.

De repente, uma onda de calor doce envolveu-lhe o peito — abraço de nuvem. Breve. Inexplicável.

 Paralisou. Coração acelerado. Revirou os gráficos de ondas cerebrais: linha plana.

Rabiscou no caderno:

 "Falso positivo. Interferência atmosférica?"

Pela primeira vez, sua mão não tremia.

 Lá fora, começou a chover.