16 de out. de 2025
Public Confession (Restricted) · Logbook of Insanity No. 17
Logbook of Insanity No. 16
Public Confession (Restricted)
Logbook of Insanity No. 16 — Entry: Night
Tone: Unquiet · Voice: First Person
Grand and hollow, the words came again—those perfumed encouragements, dressed in light, dripping with pomp and void. Well-intentioned, yes, but useless, unbearably so. I felt that old urge rise, that impulse to retreat into some forgotten corridor of myself where no voice could follow.
I am restless. Tired in a way that no sleep will ever fix. Starved for a freedom that never arrives, a hunger that turns to sickness, and the sickness, to anger. There are days when I crave indifference the way others crave touch. I couldn’t laugh, not even if I tried; laughter feels like a language that no longer belongs to me.
The words that come are sharp now, feverish kindnesses that sting more than they soothe. There’s a wish in me, growing, twisting like smoke—just to coil into myself, to vanish quietly into my own silence.
Tonight, I sat through the endless speech again, the sermon of the living righteous. I listened because I had to, not because I believed there was an end to it. It stretched and stretched, and I wondered if boredom would kill me before rage did. It always ends the same way—with an accusation, or the soft threat of hell.
“A difficult work,” he said, as if difficulty sanctified cruelty. “From now on, it will no longer be you who lives, but I who live in you.” His voice carried the weight of eternity, and I felt myself thinning beneath it, dissolving into something half spirit, half refusal.
And yet, today I thought—we are becoming more and more ourselves, which is to say, less and less human. Eternity must be insanity, not the madness that bursts, but the kind that stretches forever, unraveling memories until nothing remains but the echo of what once mattered.
The one I once called a psychopath looked at me today, and for a fleeting second, I believed he was the kindest of all among the chaos. Perhaps precisely because he was what I feared to name. He never lied about the fracture inside him; he wore it like an amulet. Maybe that’s what kindness really is—clarity, even if it terrifies.
The night is long. I hear voices even when I’m alone. Maybe it’s the echo of the speech, maybe it’s him, still reciting his scriptures inside my head. I don’t know where his words end and mine begin anymore.
I’ve written all this because the silence between thoughts has become unbearable. If someone ever finds these lines, let them know: it was never about guilt, only about the unbearable weight of being seen too clearly.
— Preserved as requested.
Signature: R.
15 de out. de 2025
MEKARE E O OCEANO/MEKARE AND THE OCEAN
MEKARE E O OCEANO
Memória, Exílio e Colonialismo nas Crônicas Vampirescas
Há livros que nos leem de volta. Queen of the Damned, de Anne Rice, é um desses.
Entre as muitas vozes que atravessam suas páginas, há duas que me perseguem há anos: Mekare e Maharet — irmãs imortais, espelhos divididos de um mesmo arquétipo feminino.
Elas atravessam milênios, oceanos, impérios. Carregam consigo a memória do mundo e o fardo do exílio.
Em Queen of the Damned, Rice as lança ao mar em caixões de pedra, arrastadas por jangadas frágeis — um gesto mítico, histórico e simbólico. É o nascimento do exílio como metáfora: o corpo feminino lançado às correntes do tempo.
Neste mergulho, sigo as rotas dessas irmãs, entre a pedra e a água, entre o Velho e o Novo Mundo.
O EXÍLIO DAS IRMÃS
“Fomos colocadas em caixões de pedra. Um foi levado para o leste, o outro para o oeste.”
Saqqara — a necrópole que guarda os limiares entre o vivo e o morto — torna-se o ponto de partida. É ali que a memória se sela.
A escolha de Rice não é casual: é nas areias do Egito que a história e o mito se entrelaçam pela primeira vez.
Maharet e o Leste
Maharet deriva para o leste, devolvida ao ventre do Oceano Índico. Seu caixão se abre em alto-mar: renascimento.
A travessia é curta, mas simbólica. A água devolve-lhe a vida, e com ela, a memória.
Maharet reaprende o mundo pelo corpo — não mais como sacerdotisa, mas como mulher que recorda e observa.
Carrega em si a consciência da irmã perdida, como se o sangue guardasse a saudade da metade exilada.
Mekare e o Oeste
Mekare, lançada ao oeste, mergulha em outra travessia — mais longa, mais brutal.
O Atlântico a engole, a isola, a refaz. Seja nas profundezas ou nas margens de um continente virgem, ela é tragada pela geografia do esquecimento.
Duas hipóteses se desenham:
O Caixão Afundado: o oceano a aprisiona por séculos. Útero e tumba. O silêncio absoluto gera loucura mística e a transforma em força pura.
A Travessia em Terra Firme: a jangada encalha. Mekare caminha. Meses, séculos, eras.
Pisa em terras onde povos originários — Tupi-Guarani, Jê, Aruak, Cariri — já teciam o mundo com canto e corpo.
Ali, ela se torna andarilha arcaica, testemunha de uma memória anterior ao império.
Seu silêncio não é ausência: é absorção. É escuta da terra e de seus deuses esquecidos.
Em ambas, o oceano é o mediador do sagrado. A travessia não é geográfica — é espiritual.
O OLHAR EUROCÊNTRICO
Quando Maharet reencontra Mekare, é pela lente do Velho Mundo.
A narrativa, tão bela quanto cruel, traduz a irmã como ausência: a louca, a perdida, a selvagem.
O “Novo Mundo” é visto como espaço de solidão e primitivismo — a velha fábula colonial disfarçada em mito gótico.
Mas o que Maharet chama de esquecimento é outra forma de memória.
Mekare não fala a língua do império.
Ela é corpo, terra e sangue — e isso basta.
Maharet é o arquivo; Mekare, a experiência.
Uma mede, a outra sente.
Uma escreve, a outra encarna.
Rice dramatiza o olhar colonial, deixando-o ruir em si mesmo.
O poder de Mekare está no que não pode ser traduzido.
ENTRE CRÍTICA E ECO
Rice trabalha em tensão delicada.
Consciente ou não, Maharet repete o olhar colonial, enquanto Mekare encarna o retorno do reprimido — a natureza, o corpo, o feminino.
O Velho Mundo tenta enterrar a memória; o Novo Mundo devolve-a intacta, vingativa, carregada de vida.
O oceano é o mediador dessa vingança — corrente que separa e une, como o sangue entre irmãs.
Rice não escreve um tratado anticolonial, mas um mito que o desvela.
O colonialismo, em sua narrativa, é uma maldição simbólica: o poder de apagar histórias — e o retorno inevitável do que foi silenciado.
Mekare emerge como esse retorno.
Não fala, mas age.
Não narra, mas testemunha.
Sua vingança é o eco da terra e dos povos apagados do mapa.
CONCLUSÃO
Mekare é mais que uma personagem: é uma lembrança viva.
É o corpo da terra que se recusa a ser esquecido.
Afundada ou caminhante, ela transforma exílio em gestação — o silêncio em linguagem.
O que o império tenta traduzir, ela encarna.
O que o Velho Mundo tenta enterrar, ela devolve.
O oceano que a carregou é também sua escritura — vasta, indomada, feminina.
Nele, Mekare é tanto naufrágio quanto lembrança.
É a memória que o mar guarda no sal e no sangue, e que o tempo jamais conseguirá apagar.