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Acordei sob um fardo invisível, o peso do mundo pensando sobre minhas pálpebras. Um calafrio percorreu minha nuca, vestígio úmido de um pesadelo que se agarrava à beira da consciência. Fazia tempo que um sonho não me visitava com tamanha clareza, e ali estava ele, em seus detalhes: pequenos elefantes inertes, corpos minúsculos como promessas abortadas, jazendo na lama de um lugar fantasmagórico, desconhecido. A imagem teimava em ficar, uma sombra impressa na retina, mesmo com os olhos já abertos para a pálida luz da manhã.
Na cozinha, o vapor quente da xícara de café mal dissipava a névoa onírica. Por que mini elefantes? A pergunta ecoava no silêncio matinal. Uma memória surgiu, fragmentada: um documentário sobre a lealdade das manadas, o luto silencioso pelas crias perdidas, as trombas entrelaçadas como um último adeus. Aquele respeito ancestral pelos seus mortos, a forma como carregavam os ossos como sagradas relíquias, fez minha mão hesitar sobre a xícara. Desisti do café, como se o sabor amargo pudesse despertar ainda mais a estranheza daquela visão. Talvez o sonho fosse um fragmento esquecido em algum canto da minha alma, um osso antigo clamando por ser desenterrado.
A cidade lá fora pulsava em seu frenético ritmo, alheia à minha paralisia. Eu permanecia ancorada na cozinha, a mente revisitando cada detalhe daquela cena perturbadora. Os pequenos corpos não sangravam, apenas repousavam, frágeis e translúcidos como uma pele trocada, como moldes vazios de plástico. Inocência desfeita? Ou seriam eles a representação tangível de projetos encantados em alguma gaveta esquecida da minha vida? O curso interrompido, o romance que nunca ganhou vida, o jardim que permaneceu um desejo, a casa que habitava apenas em meus sonhos. "Potencial não realizado", murmurei, a frase ressoando como uma velha conhecida. A constatação doía como uma fisgada no peito.
Liguei para minha filha, a voz tentando mascarar a angústia sob a fachada de perguntas triviais. "Como você está?", indaguei. Do outro lado da linha, uma breve hesitação. "Estou bem. Ontem a prova foi puxada." Uma pausa sutil. "Você está bem? Parece cansada." Desliguei com a promessa de uma visita, enquanto os pequenos elefantes retornavam à minha mente – laços familiares, responsabilidades silenciosas. Seria aquele o peso que o sonho me revelava, por um instante fugaz, ao contemplar aqueles corpos inanimados?
O dia se arrastou com a persistência daquela imagem. Na fila do ônibus, entre as obrigações do trabalho, nas sombras dançantes do parque ao anoitecer, os elefantes me seguiam como uma sombra teimosa. Força abalada? Talvez. Lembrei-me da minha própria risada rarefeita nos últimos tempos, as preocupações engolidas como pílulas amargas. Ou seria medo? O medo insidioso de perder algo que sequer consigo nomear – um futuro incerto, uma delicadeza que o mundo parece empenhado em esmagar.
Naquela noite, antes de me entregar ao sono, abri um caderno empoeirado, há tempos esquecido. Pela primeira vez em anos, a caneta deslizou sobre o papel não para listar tarefas, mas para dar forma àquele sonho inquietante. "O que você quer me dizer?", questionei as linhas brancas, como se dialogasse com um estranho familiar. Não houve respostas imediatas, apenas o som da caneta arranhando o papel. Decidi, então, que na manhã seguinte faria aquela ligação para a terapeuta recomendada por uma amiga. Não por fragilidade, mas por uma coragem silenciosa – afinal, até mesmo os elefantes, símbolos de força e resiliência, precisam da proteção da manada para sobreviver.
Enquanto a sonolência me envolvia, visualizei os pequenos elefantes mais uma vez. Mas desta vez, não estavam sozinhos. Senti a umidade da terra sob suas patas diminutas, e entre a aridez daquele lugar inóspito, algo hesitante, um broto verde, começava a surgir. Um sonho? Talvez ainda não. Mas quem sabe, apenas quem sabe, um começo.
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